quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Memórias de um Atlante - Capítulo II

CAPÍTULO II


Um reencontro há muito esperado


“Senhoras e senhores encontramo-nos a iniciar manobras de aproximação ao aeroporto internacional JFK, por favor apertem os vossos cintos de segurança!” – informa o capitão pelo altifalante. Mikos e Ava despertam do sono que os embalou durante a viagem. Ambos acordam sorridentes, o sono serviu para recuperarem as energias perdidas e ganhar fôlego para a confusão da chegada ao destino. “Dormiste bem, Mikos?” – pergunta Ava. “Sim, consegui dormir. Ultimamente tenho tido uns sonhos tribulados e não tenho tido um descanso regular.” – responde Mikos.
- Há algo que te perturba? Alguma coisa na tua vida que tens por resolver. Normalmente só me acontece isso quando ando nervosa com alguma coisa – comenta Ava.
- Sim, há algo que por resolver. Não é de agora, já é algo distante no meu passado mas é um assunto complicado…
Mikos responde a Ava com um ar de tristeza que é rapidamente compensado com o apoio de Ava, “O que quer que seja tem solução. Vais ver que sim!” – diz-lhe Ava confiante, mostrando aquele sorriso que tanto o cativou e que faz com que Mikos esboce um sorriso animador. Mikos acena a cabeça em sinal de concordância.
O avião aterra, tudo corre bem. Mikos acompanha Ava até à recolha de bagagem. Mantêm conversa, ficam na expectativa de pedir o contacto de ambos. A conversa no avião foi boa, não há como negá-lo. A atracção existe apenas permanece a falta de coragem, quer de um quer de outro, para dar o próximo passo. Ava recolhe a sua bagagem e ambos dirigem-se para a saída do aeroporto, vão apanhar um táxi para casa. À medida que se aproximam da saída a tensão no ar aumenta, Mikos começa a transpirar e a corar, sente-se inseguro para lhe pedir o contacto. Ava repara na insegurança de Mikos e decide tomar a iniciativa:
- Mikos! Tenho de apanhar um táxi para New Hyde Park mas gostaria de voltar a falar contigo. Este cartão tem o meu correio electrónico e o meu contacto telefónico pessoal. Vou ficar à espera de um contacto teu.
À medida que Ava estende o braço para entregar o cartão a Mikos exibe um sorriso, meio confiante meio nervoso, na expectativa de que Mikos perceba a intenção dela e a contacte de volta. Mikos, espantado pela atitude de Ava, recebe o cartão com um sorriso de um rapazinho, parece que está a receber uma prenda pelos anos. A tensão subitamente desaparece e dá lugar a um êxtase partilhado por ambos. É notório a alegria que sentem por terem ultrapassado essa barreira invisível.
- Obrigado Ava! – diz Mikos – Irei contactar-te assim que puder. Também gostaria muito de voltar a falar contigo.
Ava entrega o cartão a Mikos e graciosamente aproxima-se dele e entrega-lhe um beijo tenro, com aqueles seus lábios grossos, em jeito de despedida memorável e diz-lhe sorridentemente “Fico à espera.”.
De seguida chama um táxi e segue caminho para casa de seus pais deixando Mikos num turbilhão de sentimentos, confuso com tudo o que se passou mas ao mesmo tempo tão contente por ter encontrado alguém capaz de realmente mexer com ele. “Já se passou tanto tempo desde que encontrei alguém assim” – pensa Mikos. Mikos sempre teve relacionamentos com várias mulheres mas apenas uma soube mexer com ele, deixar a sua marca e tornar-se para sempre especial no seu coração e mente. Apesar de ter conhecido outras mulheres ao longo da sua vida, Mikos nunca fora capaz realmente de voltar a amar. Umas vezes tratava-se apenas de sexo, de satisfazer a sua libido, outras vezes eram pequenas paixões que em nada resultavam ou que a médio ou a longo prazo se revelavam infrutíferas e incapazes de substituir os mesmos sentimentos que outrora partilhou. Por isso, após tanto procurar e quando menos esperava eis que encontrou alguém. Alguém que desperta nele sentimentos que ele pensara estarem enterrados de vez.
Mikos chama um táxi e dirige-se para sua casa perto da Avenida das Américas. Mikos é um homem de posses, mas não alguém que goste de dar nas vistas. Tem um vestuário simples, não precisa de muito apenas o essencial. Aprendeu desde cedo a viver apenas com o essencial e manter apenas aquilo que acha necessário. Mantém uma colecção ávida de música, livros e alguns artigos de coleccionador que não vende aos seus clientes. Serve para também lhe relembrar da história da humanidade. A sua casa é simples, num bairro bom, mantém uma relação com os seus vizinhos e ajuda sempre quem mais necessita. Costuma fazer doações de dinheiro ou ajudar os mais desfavorecidos. Tudo isto sem ter que se apresentar em pessoa, tudo para poder manter a sua discrição.
Ao chegar a casa, depara-se com alguma correspondência na sua caixa de correio, contas para pagar, publicidade e pouco mais. No seu atendedor de chamadas regista-se um telefonema de um correspondente de uma cliente sua, a que tem em mãos um artigo que crê ser do interesse de Mikos. Apesar de nunca se terem visto cara a cara, Mikos mantém uma boa relação com os seus clientes. A discrição que providencia e a maneira como trata de todos os negócios, proporciona todas as necessidades de quem o procura. Esta cliente em particular é das suas mais antigas. Nunca se conheceram em pessoa e no entanto nunca deixou de procurar o serviço de Mikos para todos os seus pedidos. Mikos crê que esta cliente terá em mãos um artefacto valiosíssimo e admira-se de ter sido contactado para o comprar ou avaliar o seu valor, isto porque os seus clientes são pessoas altamente instruídas e têm conhecimentos próprios que lhes permitem avaliar com segurança da autenticidade dos mesmos. O correspondente da sua cliente informa Mikos que a peça está a ser avaliada por terceiros, está a pedir uma opinião a uma doutorada em linguística antiga e que precisará de mais dois dias até poder mostrar a Mikos a peça. Isto deixa Mikos ainda mais intrigado. Porque foi pedir uma segunda opinião? Porque razão terá adiado o encontro entre os dois? No final da mensagem o corresponde indica a Mikos que será contactado no dia, para o seu telemóvel, para se encontrar com a Madame, como é referida entre os seus pares. Ela insiste que jante com ele para que se conheçam finalmente e possam avaliar em conjunto a peça que tem entre mãos. Final da mensagem. Mikos fica ainda mais perplexo, contemplando o atendedor de chamados com um olhar fixo questiona-se do porquê de tanto formalismo quando os seus clientes sabem que ele efectua os seus negócios através de correspondentes e nunca directamente. Não interage com os clientes para salvaguardar o seu interesse.
Resolve deixar esses pensamentos para daqui a dois dias, quando se irão encontrar. Agora o que ocupa os seus pensamentos com intensidade é Ava. Aquela morena de lábios grossos, simpática, divertida e sensual que cativou o seu interesse de forma inesperada. Mas hoje não irá contactá-la, irá fazê-lo amanhã, pensa em convidá-la para um jantar, numa pizzaria sua conhecida onde o ambiente é ideal para quem gosta de passar o tempo em boa companhia e onde costuma ir jantar com os seus amigos. Nisto lembra-se que ficou combinado com Jonathan, seu amigo de há muito, telefonar-lhe quando voltasse de Banguecoque. Queria saber o que Mikos fez por lá, já que costuma ir quando pode e nunca lhe diz o que faz. Desta vez Jonathan queria que Mikos contasse o porquê de tanto ir para lá. Mikos decide ligar-lhe.

- Jonathan, meu amigo, estás ocupado? – pergunta Mikos.
- Mikos!! – exclama Jonathan com uma veemente saudade – Já de volta?
- Recebi um correio electrónico acerca de trabalho, um artefacto que uma cliente minha tem em mãos e que pensa ser do meu interesse.
- Bem, o trabalho não te larga mesmo. Persegue-te por todos os lados.
Mikos sorri, sabe bem que o que Jonathan diz é verdade e decide mudar o assunto de conversa.
- Estás a trabalhar?
- Sim, saio daqui a meia hora. Hoje tem sido um dia terrível. – desabafa Jonathan.
- Encontramo-nos às cinco e meia no sítio do costume?
- Claro, meu amigo. Quero que me contes tudo sobre a tua viagem a Banguecoque! – exclama Jonathan.
- Sim, tenho algo bom para te contar. – diz Mikos com um sorriso na cara.
- Então já me contas que o meu chefe não pára de olhar para mim, acho que já percebeu que estou de galhofa. Até logo.
Jonathan desliga e Mikos dirige-se para a casa de banho. Vai tomar um duche para se encontrar com o seu melhor amigo, pois encontra-se ansioso para lhe contar que conheceu uma rapariga especial. Jonathan, é um rapaz que cresceu em Washington e mudou-se para Nova Iorque aos 18 anos para estudar, formou-se com distinção em economia e actualmente trabalha para uma empresa que faz a gestão financeira de grandes empresas. Negócios de valores avultados são avaliados, controlados e referenciados aos seus clientes de maneira a receberem comissões elevadas e manterem-se firmes no mercado. Jonathan é dos melhores funcionários da empresa mas tem um problema grave: confia demasiado nas pessoas. Por vezes tem-lhe saído caro mas tem tido sempre o apoio do seu amigo Mikos, que conheceu quando estava a estagiar na empresa onde trabalha. Mikos arranjou um artefacto para o pai de Jonathan e foi nessa altura que se conheceram. Jonathan agiu em representação do pai, um agente imobiliário de algumas posses de Washington, que tentou convencer Mikos a investir em alguns negócios que poderiam ser do seu interesse. Desde aí uma nova amizade floresceu e Mikos e Jonathan tornaram-se grandes amigos e confidentes.
Encontram-se no bar, Jonathan vem sorrindo ao encontro de Mikos questionando-se o que terá Mikos para contar. Mikos inicia a conversa e põe Jonathan ao corrente de tudo, da viagem, do artefacto e da jornalista freelancer que conheceu no avião.
- Mikos, isso é fantástico! Estou muito feliz por ti! – exclama Jonathan bem alto.
- Calma, calma acabamos de nos conhecer, não se passa nada em concreto. – defende-se Mikos coradamente.
- Mikos, tu és um amigo espectacular mas às vezes surpreendes-me… A rapariga despediu-se de ti com um beijo na cara, tens ideia do que isso significa? – pergunta Jonathan com grande exaltação.
- Pois.. Penso que… Não sei – Mikos encontra-se muito envergonhado, já deveria saber que Jonathan iria colocar a situação daquela maneira mas não consegue dar-lhe a volta.
- Mikos, tu já disseste mais alguma coisa à rapariga desde que se separaram?
- Não, pensei em convidá-la amanhã para jantar. Estou a pensar em convidá-la para irmos ao “Vecchia Pasta”. Que achas?
- Muito bem escolhido, meu amigo! Não me ocorre melhor sítio para um jantar a dois. – diz Jonathan piscando o olho, com um sorriso estrondoso na cara.
- Também achei. Acho que será o local ideal para estarmos os dois sozinhos, a conversar e a nos conhecermos melhor. O ambiente é único e a comida também, como nos restaurantes italianos.
- Sim, o ambiente é muito agradável. O Gepeto e o Luigi são dois cozinheiros fantásticos. Vai correr tudo bem, meu amigo!
Mikos e Jonathan continuam a sua conversa, como em tantas outras, com alegria e festividade. Jonathan está realmente muito contente por Mikos ter encontrado alguém tão especial. Vê-se no rosto de Jonathan um sorriso enorme pelo seu amigo. A conversa estende-se e estende-se até à hora de jantar, altura em que Jonathan decide ir para casa ter com a sua mulher. É um recém-casado, feliz, que adora a sua mulher. Também passou por momentos difíceis, como qualquer outro teve desgostos amorosos também devido à sua profissão, ao seu status social. Mas tudo isso são águas passadas pois o momento é de alegria e felicidade, o seu amigo e companheiro encontrou alguém especial.
Mikos vai para casa, também vai jantar. Pensa no que irá dizer no dia seguinte quando convidar Ava para jantar fora. Chega a casa, liga o seu portátil e coloca uma música para ir ouvindo enquanto prepara a comida.
- Hoje apetece-me algo chinês. Deixa ver o que tenho para aproveitar. – pensa Mikos.
Verifica a dispensa e recolhe todos os ingredientes para fazer um arroz frito com legumes. Mikos é vegetariano. Uma decisão que provém de há muito na sua família, não tem a ver com uma questão religiosa pois considera-se ateu. Acredita em espiritualidade mas não numa religião em particular. Decide então pôr mãos à obra. Prepara tudo a seu gosto, condimenta até ficar picante como gosta e vai ao frigorífico buscar uma cerveja. Hoje sente-se com apetite, sente-se feliz, quer beber uma cerveja ao jantar, sente essa necessidade. Acomoda-se no sofá, liga a televisão e começa a ouvir as notícias enquanto se delicia com aquele manjar dos deuses por si cozinhado.
O seu jantar, esplendorosamente preparado por si, é subitamente interrompido por um barulho vindo do computador, entrou uma mensagem na sua caixa de correio, quem será? O seu correio electrónico é pouco utilizado, apenas para assuntos profissionais e para os amigos mais chegados. Mikos decide verificar e para sua surpresa a mensagem não contém remetente nem assunto, o que suscita alguma curiosidade. Mikos abre a mensagem e lê o seu conteúdo: “Há muito tempo que não nos víamos… Estás preparado para uma surpresa?”.
Mikos olha fixamente para a mensagem e pergunta-se quem terá sido que a enviou. O que quererá isto dizer? “Há muito tempo que não nos víamos…”, quem será a pessoa por detrás disto? Mikos decide parar de jantar e utiliza a sua perícia informática para tentar descobrir quem é o remetente mas não resulta em nada. Quem quer que tenha sido conseguiu cobrir bem os seus passos. Mikos decide ignorar o que se passou e desliga o computador. Prefere terminar o seu jantar com calma e tranquilidade e pensará nisso amanhã.
O dia amanhece como muitos outros, Mikos teve uma noite revigorante e encontra-se confiante para convidar Ava para jantar fora. Toma o seu pequeno-almoço e prepara-se para ir sair. Vai fazer jogging, há que manter-se fisicamente apto, o seu trabalho também envolve muito sedentarismo e tem que se manter em forma física. Depois do exercício físico, volta para casa, está perto da hora de almoço e se quer convidar Ava para jantar tem que ser agora pois ainda tem que reservar mesa no “Vecchia Pasta”. Pega no telemóvel e no cartão que Ava lhe deu, respira fundo, marca os dígitos e espera pelo sinal de chamada. Do outro lado atendem:
- Estou sim? – diz Ava.
- Olá, fala o Mikos. Estou a falar com a Ava? – pergunta Mikos de forma contida.
- Mikos? Olá! – sente-se um sorriso do outro lado da chamada. – Estava a ver que não me dizias nada! – brinca Ava com Mikos.
Mikos ri-se, afinal era bem mais simples do que parecia. O sentido de humor de Ava proporciona-lhe um sorriso imediato fazendo com que Mikos relaxe e tome mais confiança no pedido que tem a fazer.
- Estava a pensar em ti. Gostava de te levar a jantar fora para podermos nos conhecer melhor. Tens planos para esta noite?
- Não, não tenho nada planeado para esta noite. Gostaria muito de ir jantar contigo. – Mikos cora ao ouvir estas palavras. Sente um ardor nas suas bochechas.
- Que bom! Gostas de comida italiana? – pergunta Mikos.
- Sim, adoro! É das minhas favoritas. Onde é o restaurante? – pergunta ansiosamente Ava.
- Chama-se “Vecchia Pasta”, fica em Woodhaven, na Avenida 90. Podemos nos encontrar às 20 horas?
- Sim, lá estarei então. Foi bom ouvir a tua voz. – diz-lhe Ava de um jeito carinhoso.
- Também gostei muito de ouvir a tua voz. Tem um excelente dia. Vemo-nos mais logo. – despede-se Mikos, com uma ansiedade nas suas palavras.
- Até logo, Mikos. Para ti também. Beijos.
Mikos fica ansioso para que a hora do jantar chegue. Tem um nervoso miudinho na sua barriga, parece um jovem apaixonado. Liga para o “Vecchia Pasta” e marca mesa para dois para as 20 horas. Tudo está a correr bem.
Chega à hora do jantar e Mikos encontra-se no restaurante. Chegou 10 minutos antes com receio de Ava chegar cedo e não querida de modo nenhum fazê-la esperar. Está ansioso, não sabe o que dizer. Vestiu-se com um blazer preto, uma camisa branca, uns jeans e uns sapatos. Está bem apresentável sem chamar muito à atenção. Eis que Ava chega, abre a porta do restaurante, procura Mikos com o seu olhar penetrante até que se esbatem resultando num sorriso de parte a parte. Mikos levanta-se para receber a sua convidada, afinal de contas ela está muito bonita. Irradia sensualidade e confiança, vê-se que escolheu a dedo o que quis vestir e que foi minuciosa até ao último detalhe. A maquilhagem que usa realça a cor dos seus olhos castanhos deixando Mikos sem fôlego, o batom vermelho que escolheu transforma seus lábios carnudos, por si já bastante sensuais, em uma arma capaz de desarmar o mais frio dos amantes. Vestiu um top vermelho que lhe assenta na perfeição delineando o seu corpo sensual e por cima veste um fino casaco branco. Os seus jeans aliados aos seus saltos altos realçam o resto do seu corpo resultando numa linguagem corporal que fala por si. Mikos encontra-se sem palavras para o que vê.
- Boa noite Mikos. – Ava cumprimenta-o expectante pelo resto da noite.
- Boa noite Ava. Estás lindíssima. – comenta Mikos bastante corado.
- Muito obrigado, Mikos. Tu também estás muito bonito.
- Obrigado, Ava. Estás com apetite? – pergunta com um sorriso acanhado.
- Sim estou com bastante fome, tive um dia em cheio.
- Estou ansioso para saber como foi o teu dia.
Mikos e Ava iniciam mais uma conversa de forma eufórica. Parece que se assentam na perfeição, a conversa continua fluidamente, calmamente sempre com um sorriso nos seus rostos. Estão em sintonia e que melhor ambiente do que o “Vecchia Pasta” para acolher uma ocasião como esta?
O “Vecchia Pasta” é um restaurante italiano propriedade de dois irmãos, Gepeto e Luigi, imigrantes que decidiram tentar a sua sorte na América e foram para Nova Iorque. Estabeleceram este restaurante há 40 anos, começou por ser um pequeno negócio que rapidamente envolveu toda a família onde todos ajudavam. Passaram também por dificuldades pois o negócio nem sempre teve o sucesso dos dias de hoje. Mikos quando se mudou para Nova Iorque conheceu, por acaso, o restaurante e rapidamente se tornou um cliente habitual até que travou amizade com os dois proprietários. Formou uma parceria com eles há dez anos atrás e ajudou-os a remodelar o estabelecimento para as novas regras impostas pela Câmara Municipal. Há 2 anos, com o sucesso do negócio, Mikos vendeu a sua parte para Gepeto e Luigi, pelo mesmo preço que tinha adquirido. Agora sim, depois de muito esforço e dedicação a família de ambos tinha um negócio efervescente e estável. Agora tinham atingido o sonho americano.
Hoje é uma noite especial e Gepeto e Luigi providenciam um jantar especial para Mikos e a sua convidada. Para entrada “bruschettas”, fatias de pão seco, grelhadas, esfregadas em alho e cobertas com tomates, azeitonas, beringelas e regadas em azeite, acompanhadas por um vinho tinto especial, importado de Itália que há muito aguardava a ocasião certa de ser aberto.
De seguida uma salada italiana de massas, composta por pimentos vermelhos, pinhões torrados, massa de cotovelos, queijo mozzarela ralado, tudo isto regado com vinagreta e molho Pesto. Para concluir uma salada de frutas rosada, constituída por morangos, laranja, manga, mamão, maçã, banana, abacaxi, leite condensado e iogurte de morango, uma verdadeira tentação a colmatar uma refeição, por si, já exuberante.
Ava e Mikos sentem-se satisfeitos com o jantar que tiveram, tudo veio no momento certo e combinou na perfeição. O ambiente, a conversa, a comida e o serviço foram resultar num jantar perfeito que agradou e muito a ambas as partes. Mikos prepara-se para pagar na caixa e é recebido por Gepeto e Luigi que insistem em que não pague. O jantar de hoje é oferta dos seus velhos amigos, por tudo o que ele fez, por todo o apoio e compreensão que teve, Mikos é visto como um verdadeiro amigo o que deixa Ava impressionada pois ela não sabe da história por detrás da razão dos dois irmãos em tomarem tal postura. Mikos respeita a decisão de ambos e fica comovido. Afinal, ele sempre teve em mente que os humanos não são tão ruins como parecem, basta ajudá-los um pouco para receber ajuda de volta. Agradece pela excelente refeição, pelo excelente jantar que ambos tiveram com um abraço apertado a Luigi e Gepeto.
Ava decide convidar Mikos a um bar de jazz ali perto, é de um amigo de Ava que foi outrora músico de jazz e decidiu abriu o bar para dar oportunidade a outros músicos de se mostrarem. Mikos aceita com bastante alegria o convite de Ava, música é um dos seus encantos e é algo indispensável para ele. A noite corre bem, o bar é bastante agradável, a música boa e o ambiente entre ambos está cada vez mais intenso. Sente-se que a atracção é cada vez mais forte. Ambos os seus olhos se iluminam cada vez mais, relembrado um céu estrelado numa noite sem nuvens. Será que o vinho acelerou o embate de sentimentos que já havia depositado em ambos?
Faz-se tarde, Mikos decide apanhar o táxi juntamente com Ava. Irá acompanhá-la até casa. Ao chegarem perto da casa de Ava, Mikos não pára de pensar em aproveitar o momento, deixar a sua marca, libertar aquele desejo ardente de beijar os tenros e carnudos lábios de Ava que há muito vêem desejando de serem tomados num possante e agressivo beijo de paixão.
- Chegamos, é aqui que eu moro. Ainda vivo com os meus pais mas estou a pensar mudar-me para uma casa só minha assim que puder. – Ava tenta disfarçar o desejo que lhe vai na alma.
- Tenho a certeza que arranjarás algo de bom. Sabes que se precisares de ajuda em algo não hesites em me pedir.
Ava esboça um sorriso carente, acena com a cabeça dizendo que sim, seus olhos abrem-se e forma-se automaticamente a ligação que irá conduzir ao derradeiro momento da noite, aquilo que ambos tanto anseiam e têm resistido em atingir. Fecham os olhos e lentamente encaminham-se para um beijo ardente de desejo, paixão e luxúria. O taxista embaraçado com a cena decide sair do carro e apanhar ar fresco. O momento dura alguns segundos, o suficiente para parecer uma pequena eternidade. Está finalmente consumido o desejo por que ambos ansiavam. Os sorrisos que agora contemplam em suas caras são diferentes, nota-se que já não é um sorriso de timidez mas sim de confiança, de certeza de um amor correspondido. Finalmente revelaram-se os sentimentos.
Ava despede-se e segue para casa, feliz, contente pela esplendorosa noite que teve. Está apaixonada e isso revela-se na sua postura. Mikos segue-a com os olhos até entrar no prédio e depois pede ao taxista que o leve para casa. Vai calmo mas feliz, passado tanto tempo reencontrou o amor, algo que pensava impossível nesta sua turbulenta vida. Agora só pensa em quando irá reencontrá-la.
Chegou o dia do jantar. Mikos recebe uma chamada no telemóvel. É o correspondente da Madame. Irão buscá-lo a casa perto da hora de jantar. Será levado directamente para a mansão da Madame onde irá finalmente encontrar-se com a sua cliente de velha data. Há algo neste encontro que deixa Mikos pensativo e desconfiado. Porque insiste tanto a Madame em encontrar-se com ele? Que artefacto é este que Mikos tem de ver? E quem será a doutorada em linguística antiga que o está a avaliar?
A hora do jantar aproxima-se, Mikos está pronto, aguarda por um contacto no seu telemóvel. Sente algo vibrar. Lê no ecrã “Número Desconhecido”. Atende: “Desça, por favor. Entre na limusina estacionada em frente à porta do seu prédio.” – é-lhe instruído do outro lado da chamada. Mikos assoma-se à janela, verifica que de facto está uma limusina estacionada em frente à entrada do seu prédio. Olha em redor e não vê nada que levante suspeitas. Vai de encontro à limusina. Ao sair do prédio o motorista sai da limusina, um homem alto, robusto e altivo. Tem ar de europeu, talvez descendência alemã ou nórdica. Não fala, apenas abre subtilmente a porta da limusina e faz sinal para que Mikos entre. Mikos entra, sempre desconfiado de tanto formalismo.
- Senhor Mikos, esteja à vontade. A Madame deseja exprimir a sua maior satisfação por ter aceitado o convite. – diz-lhe um homem esbelto, pálido, com um ar muito seguro de si. Está escuro dentro da limusina. A porta fecha-se e uma luz de presença irradia lentamente. Mikos repara no homem à sua frente sentado.
- O meu nome é Ambrose. Fui eu que agi em nome da Madame e o contactei a seu pedido. Foi comigo que falou ao telemóvel.
- Eu nunca o vi antes, em todos os negócios que efectuei com a madame, pois não? – pergunta Mikos.
-Efectivamente não. Sou o assessor mais próximo da Madame e devo dizer que são poucas as pessoas que têm a oportunidade de falar comigo pessoalmente. Considere-se privilegiado – diz Ambrose com um ar arrogante.
- Compreendo. – comenta Mikos – No entanto, isto é algo fora do normal, fora das regras por mim definidas e como tal considere-se um privilegiado em ter aceite o convite da Madame.
Ambrose esboça um sorriso confiante e malicioso. Mikos sente no ar que está perante uma pessoa que se julga acima de outros. Deixa-o desconfortável mas respondeu de maneira adequada a Ambrose.
- Jürgen, siga para a mansão. A Madame está à nossa espera.
Ambrose dá indicações ao motorista para seguir, de forma arrogante, parece ser essa a sua personalidade. Contempla Mikos, analisa-o e é analisado por ele. Claramente o jantar não está a começar com o pé direito.
- Que artefacto tem a Madame para eu analisar? – questiona Mikos.
- Senhor Mikos… Por favor aguarde até que esteja com a Madame. Tudo será explicado a seu tempo. Não se preocupe. Está em completa segurança. Apenas quis testar a sua personalidade para confirmar as informações que recebi de si. Asseguro-lhe que não foi nada fácil saber algo sobre si e que tive que o confirmar antes de o poder levar à mansão.
Mikos continua em sobressalto. Não gostou de saber que fora investigado. Não quer que o seu passado seja remexido e sente que algo não está bem mas decide continuar, afinal já tinha dado a sua palavra em como jantaria com a Madame.
- Tudo será revelado a seu tempo. Quando chegarmos a Madame informá-lo-á de tudo o que precisa de saber. – diz-lhe Ambrose.
- Está bem, não tem problemas. Estou curioso para saber o que a Madame deseja falar comigo – responde Mikos.
Ambrose prepara uma bebida para Mikos, um Baileys on the rocks e de seguida ambos remetem-se em silêncio até chegarem ao destino. A viagem foi demorada mas encontram-se finalmente na mansão da Madame, rodeada de seguranças por todos os lados mas não deixando de ser esplendorosa e um símbolo de uma sociedade poderosa mas já esquecida. A Madame é descendente de uma família de nobreza, de Inglaterra, que imigrou para os Estados Unidos no inicio da revolução industrial e aplicou a sua fortuna tornando-se ainda mais rica. Hoje tem um espólio de fazer inveja e isso reflecte-se no seu casarão. A limusina pára, Jürgen abre a porta a Mikos.
- Chegámos, senhor Mikos. Faça favor de sair. Um mordomo irá levá-lo ao salão de jantar. Espero que esteja tudo ao seu agrado.
- Não me acompanhará lá dentro? – pergunta Mikos desconfiado.
- Não. A minha função já terminou, já lhe expliquei. O resto é consigo.
Mikos fica intrigado com esta resposta. Parece tudo saído de um filme de conspiração. Mikos sai do carro, um mordomo o espera. Pede-o para o seguir e leva-o até a uma sala de jantar decorada como nunca tinha visto. A sala tem duas portas maciças em lados opostos, quadros enormes revelam membros da família da Madame em caçadas, jogos ou simples poses em que ficaram eternizados, porcelana da China, alguns artigos que o próprio Mikos reconhece terem sido por si negociados encontram-se espalhados em montras de vidro, como que se de um museu se tratasse. Tapetes persas e outros mais pendurados na parede ou estendidos no chão. Mikos está no meio de um tesouro de valor incalculável e sente-se fascinado com tudo o que vê. O mordomo deixa-o e pede para aguardar, sentado, pela Madame. Mikos senta-se e continua estupefacto com tudo o que vê. “Para uma sala de jantar não está nada mal…” pensa ele.
- Espero que tenha sido bem tratado pelo Ambrose, Mikos – diz-lhe a Madame enquanto uma das portas da sala de jantar se abre lentamente e ruidosamente.
Mikos levanta-se, olha para trás de si e finalmente vê em pessoa a Madame.
- Sabe, às vezes ele é demasiado protector e confiante de si. Assim o é para melhor me servir, eu sei, mas temo que por vezes possa ser ofensivo. Espero que não o tenha sido consigo.
- Não se preocupe, Madame. Não é a primeira vez que fui confrontado com tal situação e não fiquei ofendido. O Ambrose tomou a delicadeza de me explicar o porquê de tal atitude. – responde Mikos.
- Fico muito aliviada por saber isso – comenta a Madame – Já houve situações em que as pessoas não tiveram a mesma compreensão que si. É um prazer conhecê-lo em pessoa, Mikos – esboça um sorriso desconcertante.
- É um prazer conhecê-la ao fim de tanto tempo, Madame. – responde Mikos com um sorriso falso desconfiando do sorriso da Madame.
- Convidei-o para jantar para que pudesse avaliar algo que a muito custo consegui arranjar. Algo que acho que será do seu interesse. Tomei a liberdade de pedir a avaliação a uma doutora de linguística antiga para que confirmasse as minhas suspeitas antes que você o pudesse avaliar. Queria ter a certeza do que tinha encontrado, não leve a peito por favor.
Mikos estranha a delicadeza da Madame. Afinal se já houve alguém que avaliou o artefacto porque necessita da opinião dele?
Eis que o mordomo entra pela porta já aberta transportando consigo o artefacto mas coberto com um pano. Coloca-o na mesa e suavemente remove o pano que o cobre. Agora Mikos poderá avaliar o tão falado artefacto que é a razão para que tivesse aceitado o jantar. Os olhos de Mikos abrem-se e reparam logo no objecto que tem à sua frente. É um vaso muito antigo, da Grécia antiga, milenar mesmo, bastante bem conservado. Contém uns desenhos um pouco gastos mas perceptíveis e textos em grego antigo. Mikos repara numa linha de palavras que não está escrita em grego antigo e suscita-lhe dúvidas.
- Esse texto é a razão da sua vinda. Quando o vi não quis acreditar no que tinha à minha frente. Foi por isso que pedi uma opinião a alguém especializado na matéria. É Sânscrito, não é? – pergunta a Madame com um ar muito confiante.
Mikos fica atribulado mas mantém uma postura segura. Como foi ela descobrir este vaso? Quem terá escrito isto? Algo aqui não está certo mas Mikos não pode demonstrar que está perturbado com esta descoberta.
- Minha senhora, com todo o devido respeito, acredita mesmo nisso? – pergunta Mikos – Sânscrito é uma linguagem mito, não há provas reais de que alguma vez tenha existido e trata-se de mote para riso. Só os mais tolos é que acreditam em tal coisa. – diz Mikos com ar confiante na expectativa de que a conversa não se adiante e termine ali.
- Meu caro Mikos, tenho razões para crer o contrário e já sabia que iria responder dessa maneira. Por isso mesmo pedi a opinião da doutora. – responde a Madame bem confiantemente.
- Entre Johanna. Esta é a altura ideal para se apresentar.
A segunda porta da sala de jantar abre-se e surge uma senhora de cabelos morenos, alta e bonita. Olhos azuis e pele branca. Ouve-se o barulho dos seus saltos altos a ecoarem pela sala de jantar. Mikos vira-se lentamente na direcção da porta e os seus olhos cruzam-se com Johanna. Surgem-lhe suores frios por todo o corpo, começa a tremer e não crê no que está a ver. Não pode ser verdade. Após tanto tempo…
- Olá Mikos! Há quanto tempo que não nos víamos… Parece que viste um fantasma. – diz Johanna com um sorriso na cara – Não estás feliz por me ver?
- T… T… TU??? – pergunta Mikos em tom alto e com ar perturbante.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Memórias de um Atlante - Capitulo I

A ganância insaciável é um dos tristes fenómenos que apressam a autodestruição do homem


Isaac Carmona
Textos Judaicos


CAPÍTULO I
O despertar de certas memórias


Os primeiros raios de sol do dia entram pela persiana rachada de seu quarto. É dia 21 de Junho, o solstício de Verão está ai e prestes a romper o seu doce sono e o de muitos outros para iniciarem o seu dia. De um sonho atribulado acorda, memórias de há muito foram-lhe aparecendo durante o seu descanso, coisas que nunca irá esquecer, que lhe ficaram cravadas para sempre e com as quais terá que lidar. É desses momentos que o ainda tenro sol de Banguecoque ilumina a face de Mikos, trazendo-o de volta para enfrentar mais um dia, mais um confronto com a eternidade.
“Continuo a ouvir dela ainda hoje…” pensou Mikos, “Parece que foi ainda ontem que tudo aconteceu e nada pude fazer para o evitar”. O seu despertador irradia uma música bem alta para que dê inicio ao seu ritual. Levanta-se e vai tomar um duche fresco pois o calor húmido e forte em breve irá se sentir trazendo consigo os aromas próprios ao homem. De seguida toma o pequeno-almoço, leite com cereais e um copo de sumo natural, um hábito que lhe perdura há muito, difícil de esquecer, de apagar e que sempre o acompanhou por onde tenha passado. Não que nunca o cumpra mas sempre que pode não falha. Pega nas chaves de casa, na sua carteira, passaporte e nos óculos de sol e olha para o espelho questionando “Será hoje que tudo isto termina?”
Saiu de casa e agora dirige-se para o aeroporto. Mikos vive entre países. Não tem casa própria, aproveitou para vir a Banguecoque, desfrutar de umas pequenas férias para sair do ritual de trabalho que se apoderou dele e não lhe dá tréguas. Tem amigos que tomam conta da sua casa como se fosse deles, amigos que por uma outra razão se encaixaram na sua vida e se juntaram a uma teia de amizade já muito comprida e muito desgastada. Mikos chama um táxi e pede para o levar ao aeroporto. De caminho continua a pensar nas imagens que viu no seu sonho, das memórias todas que isso lhe trouxe enquanto o taxista vai falando com ele e Mikos apenas acena com a cabeça mostrando um sorriso falso para sua contemplação. “Será que te teria salvado?” – pensa Mikos – “Será que seríamos felizes? Que saudades dos teus olhos azuis….”
“Chegamos senhor. A viagem fica por 500 Bahts!” – Diz-lhe o taxista. Mikos paga ao taxista – “Obrigado senhor! Quando voltar não se esqueça de avisar por correio electrónico ou por telefone. Virei logo busca-lo ao aeroporto”. Mikos esboça um sorriso e acena com a cabeça dizendo que sim. Prepara-se para voltar para Nova Iorque, tem assuntos lá a tratar, assuntos de cariz pessoal e profissional. Mikos é especialista em antiguidades, consegue ler línguas antigas e trabalha essencialmente na compra e venda de antiguidades. Os seus clientes são pessoas extremamente ricas e muito discretas, tudo o que negoceia é feito com a máxima discrição para que não chame a atenção dos media, coisa que lhe seria impensável. Neste momento o negócio que tem para fechar é sobre uma peça muito antiga, um vaso da antiga Grécia que contém um texto muito sensível, algo que uma cliente comprou e que pensa ser de grande interesse para Mikos e que lhe despertou interesse suficiente para interromper as suas férias em Banguecoque. Mikos acha que esta peça pode ser algo de muito valioso e não a quer perder de vista.
A viagem de regresso irá ser longa, 17 horas e como Mikos chegou cedo ao aeroporto, 3 horas antes do voo, aproveita para ir a um quiosque ver os jornais do dia, ver o que se passa no mundo. Os seus olhos deambulam pelos títulos dos principais jornais mundiais, “The Times”, “Der Spiegel”, “The Sun” entre outros. Todos com as mesmas noticiais que de há tanto se tornaram habituais: guerra, mortes, mudanças económicas que levam países e continentes a mudar rapidamente as suas políticas, fome e desgraça. “Tudo coisas habituais no homem” pensa ele. No meio deste cruzar de títulos vira a sua atenção para uma revista musical, “The Rocker Magazine”, uma revista americana sobre música rock, um estilo muito apreciado por Mikos. Não só o rock como a música em si, pois crê ele que é um meio de união entre culturas e que há muito vem criando pontes de câmbio cultural e social entre os vários povos permitindo criar novos sons, novas harmonias. Pega na revista, paga e ao sair do quiosque cruza olhares com uma mulher, que fala ao telemóvel, bonita, esguia, com ar de quem não dormiu muito nessa noite mas os seus olhos cativam-no de uma maneira que há muito não sentia. Ele escuta, por breves momentos, a sua conversa e percebe que tem sotaque americano.
Segue em direcção ao check-in, com a mulher seguindo-o de perto. Ao chegar ao check-in ela também permanece na fila e Mikos apercebe-se que também vai para Nova Iorque. “Quem será?” – pensa ele – “Qual será o seu nome?”. Há muito tempo que uma mulher não lhe despertava tanto interesse. Mikos não é um homem de grandes amores, ele é muito dado ao seu trabalho e como qualquer homem mantém um contacto regular com mulheres mas nunca se afeiçoando muito a nenhuma em particular. Apenas por uma ocasião teve uma paixão, aquele amor da sua vida, aquela que lhe punha o coração a pular, com um olhar, um toque suave na sua pele ou mesmo só pensar nela. Mas esse amor há muito que se foi e agora eis que uma estranha lhe despertou um interesse que parecia já esquecido.
Ambos embarcam para o avião e acabam por ficar sentados lado a lado. Ela não parece muita extrovertida o que de um certo modo revela uma sensualidade estranha. E como Mikos também não é muito dado a grandes conversas ambos acabam por não dizer nada. O capitão anuncia no altifalante que o voo com destino a Nova Iorque irá deslocar não tarda e Mikos contempla, pela janela do avião, o sol de Banguecoque por mais uns instantes. Ela, permanece calma, como alguém já muito habituado a viajar e apenas relaxa, coloca uma almofada para aconchegar a cabeça e fecha os olhos. Parece que se encontra num estado zen. Mikos faz o mesmo, é tempo de tentar descansar, a viagem é longa…
Passado algumas horas, Mikos acorda e para seu espanto a revista que tinha guardado para ir lendo no avião está a ser lida pela rapariga sensual e misteriosa que se encontra a seu lado. “Não se preocupe, eu devolvo-a no fim!” – diz a rapariga com um ar sério mas num tom irónico – “Estou a ler os restantes artigos, dos meus colegas.”, comenta ela. “Você é jornalista?” – pergunta Mikos. “Sou uma repórter freelancer, escrevo muitas peças sobre bandas musicais e estive ontem à noite num concerto a entrevistar uma banda rock que está a fazer um tour pela Ásia” – esboça um sorriso e levanta os seus olhos na direcção dos olhos de Mikos, olhos verdes cor de azeitona - “E você? Estava de férias em Banguecoque?” – Mikos cora, fica meio atrapalhado por contemplar o olhar penetrante daquela morena de lábios grossos e olhos castanhos-claros – “S.. S… Sim, pode-se dizer que sim. Estava a tirar uns dias fora do trabalho para sair da rotina e resolvi vir ter com uns amigos a Banguecoque” – rematando com um sorriso simples.
“Foi você que escreveu essa peça sobre a banda da capa, não? São eles que estão a fazer o tour pela Ásia.” – pergunta Mikos – “Sim, fui eu.” – Sorri em jeito de reconhecimento – “Venho a seguir a banda há já algum tempo e ontem foi o último concerto deles da tour e a banda convidou-me a assistir e aproveitei e tirei algumas fotos com eles. Foi uma noite comprida onde também pude estar com outros colegas e amigos que já não via há muito tempo.” – Mikos sorri, sente-se mais confiante, afinal aquela morena de ar frio e meio intimidante parece ser bem sociável e simpática – “Peço desculpa mas nota-se pelo seu ar de cansada.” – diz Mikos de uma forma simples – “Ah, não me diga que não estou apresentável?” – pergunta a rapariga com um ar muito sério. Mikos cora imenso, sente-se repentinamente cheio de calor e eis que a rapariga solta uma gargalhada e toca com a sua mão no braço dele – “Estou a brincar, não precisava ficar tão sério! Queria só ver a sua reacção. É claro que estou cansada mas valeu a pena rever velhos amigos de há muito e de pôr a conversa em dia pela noite fora” – diz a rapariga com um sorriso tão natural que Mikos não pode deixar de esboçar um pequeno brilho nos seus olhos com tamanha beleza.
“Como se chama?” – pergunta a repórter – “Mikos, o meu nome é Mikos”.
- O meu nome é Ava, Ava Campbell.
Ava e Mikos trocam um olhar profundo durante dois segundos e depois riem-se, em sintonia como se já conhecessem há muito.
- Gostei muito do seu artigo, Ava. Comprei a revista para me entreter por causa da banda e da entrevista que fez. Já venho ouvindo os álbuns deles há algum tempo.
Ava sorri, contempla mais uma vez os olhos de Mikos e cora.
- Muito obrigada, Mikos. Eu também gosto muito da banda. Estão a fazer um enorme furor pelo mundo inteiro e são umas pessoas fantásticas. Têm feito grandes espectáculos.
A conversa estende-se, falam sobre um pouco de tudo, do estado actual do mundo, dos lugares por onde Mikos já passou, da vida de Ava, que andou sempre em escolas diferentes até ter ido viver para Nova Iorque quando tinha 12 anos, com a família. Aos poucos e poucos quebraram-se as barreiras iniciais e em menos de nada pareciam dois conhecidos, dois grandes amigos que há muito não se viam e que sentiam uma atracção entre os dois. Após tanto tempo a conversar decidem descansar um pouco. Ainda faltam algumas horas para aterrar em Nova Iorque e a viagem deixa as suas marcas. Mikos e Ava sentem-se cansados mas contentes, acabaram de se conhecer e têm tanto em comum. Ava encosta-se para trás e fecha os seus olhos com a sua cabeça a descair para a direita, para o lado onde Mikos está sentado. Mikos relaxa, fecha os olhos e por breves momentos antes de adormecer relembra sentimentos há tanto esquecidos e pensa no quanto ela lhe faz lembrar alguém, “Ela lembra-me tanto de ti.”, deixando-se dormir de seguida.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Butterfly Explosion: Uma mais que agradável surpresa =)

De há algum tempo para cá tenho vindo a escutar uma banda irlandesa, que despertou o meu interesse duma maneira impressionante. É certo que o estilo de música que mais privilegio é o Rock/Metal mas sempre senti que o estilo que mais me acentua e melhor se adequa às minhas necessidades é o Experimental/Alternative ou Grunge.
Bandas como Deftones, Sunk Loto, Armor For Sleep, Idiot Pilot, Audioslave, Bush, Godhead, Institute, Monoral e outras mais adequam-se exactamente ao estilo que busco na maioria das vezes que pretendo ouvir música. Claro, todos nós temos fases em que se ouve um certo estilo ou grupo mais do que o habitual e obviamente não sou excepção (Jazz, Blues e porque não uma boa canção de Madredeus de vez em quando?)!
Quero com isto dizer que há mais e muito mais boa música que só aqueles estilos ou grupos que referi e que não fica nada mal, nem mesmo a um metaleiro, ganhar um bocadito mais de conhecimento para além daquele circulo que lhe é habitualmente referencial.
The Butterfly Explosion veio literalmente ao meu encontro através duma sugestão do facebook há já alguns meses e devo confessar que admirei-me de um grupo com esta qualidade não ser mais conhecido até ao momento em que escrevo este blog.
Após ouvir algumas músicas no seu myspace decidi que era manda-tório cuscar mais: que álbuns há, se há videoclips, concertos agendados, enfim cuscar! :P
Para minha surpresa já tinham concertos planeados no UK (sortudos!) e já haviam rumores de uma tournée pelos U.S. que se veio a confirmar e pelos vistos fizeram um belo furor! Tanto que já lançaram o seu 1º álbum de estúdio denominado "Lost Trails".
Isto é tudo o que se pode pedir duma banda em geral: músicas que nos fazem sentir "ligados" desde a 1ª música até à última, sempre deixando uma sensação por mais. Escusado será dizer que quando acabei de ouvir o CD tive que ouvi-lo outra vez para ter a certeza do que o que estava a ouvir era mesmo verdade: eles são mesmo bons! :D
Tão bons que as críticas em geral dão cotação máxima a este álbum! E já têm planos para uma tournée europeia (Portugal incluído :D)!

The Butterfly Explosion "Lost Trails" by Linpópó



Official page

Closer, a primeira música do álbum, tem tudo para ser o single de lançamento e reconhecimento da banda. Começa bem, com fortes mas melódicos ritmos de guitarra e uma voz que cativa em qualquer das músicas que se possam seguir. Gazz, o vocalista da banda, revela uma voz que acentua em qualquer das canções que o ouvimos e arrisco a dizer mesmo, é daquelas vozes que ficam na cabeça!
De resto seguem-se Tracing Stars, Sophia, Chemistry, Automatic, Turn In You, Insulate My Dreams, Carpark, Crash ...See You On The Other Side, A Nearer Sky e A Warmer Moment.
O destaque maior (em minha opinião) vai para as três últimas músicas que são brilhantes! Não que as outras músicas não acompanhem estas, pelo contrário, são essenciais para o CD como um todo e acho que qualquer uma delas vale por si e contribuem para uma experiência sonora deveras memorável, tendo em conta que a duração do álbum é de praticamente uma hora (o que é de louvar!).
Resumidamente, é um álbum que vale por si só ou por qualquer uma das músicas, todo muito bem trabalhado e que chega a saber a pouco! :-)

As I've seen on facebook that my review is being announced I've decided to say it in plain English what i think of the album (no need for translations):

"Lost Trails is one of those, few, albums that manages to capture your attention and sensitivity from beginning to end. It's just that rare nowadays that you cannot let this pass you by, even if you want to. Everything seems to fit in all ways possible, never having a feeling that something should have been done better or different! It's this good and there's no regret in saying it out loud! :)"

Rating: 5/5 Linpópós!!



Para finalizar deixo um link com os dois EP's da banda que podem escutar na íntegra e caso gostem já sabem, apoiem a banda e comprem o cd, só custa 8€ + 3.15€ de portes.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Mário Crespo VS José Salazar

Num país que atravessa actualmente uma das suas piores fases económicas, onde cada dia se verifica um declínio na estabilidade política, social e económica, eis que nos entregam de mão beijada mais uma bomba a explodir na nossa face: o "Caso" Mário Crespo.
Um jornalista conceituado, respeitado (que tantas vezes vi reportagens suas, em que orientava a peça sempre de forma eloquente e frontal, sem ofender e concentrando-se apenas nos factos), galante apresentador do programa "60 Minutos" (V.P.) é agora proibido de publicar a sua peça jornalística devido à vontade de sua graciosidade e sensualidade (não esqueçamos que foi eleito o 6º homem mais bonito de sei lá o quê) o nosso sr Primeiro Ministro: José Salazar!
Porquê José Salazar e não José Sócrates? Simples, um senhor de politica já envolvido em tantos casos, agora vê-se envolvido em mais um em que, acreditando no que é dito e não vejo razão para contrariar factos (basta olhar às reacções do sr Primeiro Ministro em entrevistas na televisão, onde tudo o que é contrário ao seu pensamento, lança um olhar como que mortal ,como que de um alvo a abater) torna-se de facto um censurador (Manuela Moura Guedes - Jornal da TVI de sexta feira, lembram-se?) de 1ª Categoria relembrando actos como os da P.I.D. como sempre associados a António Salazar.
Espero que para o bem deste país, desta sociedade e mesmo para o bem de José Sócrates, este caso se resolva com a maior da rapidez e deixem o sr Mário Crespo publicar o seu artigo, que com uma carreira que fala por si, pensam mesmo em silenciar esse senhor???

"We gotta take te power back!!!"


terça-feira, 16 de junho de 2009

Panglao Island

Depois um quick post, propus-me a mim mesmo proporcionar-vos uma descrição aliciante da ilha de Panglao, nas Filipinas. Tudo começou quando 6 jovens aventureiros decidiram tirar umas pequenas férias num resort nas Filipinas. Estes jovens aventureiros, àrduos trabalhadores que não hesitam em suar para fazer valer o seu ordenado, depararam-se com um problema logo à partida do seu sonho: o custo de ficar num resort. Sim, sai um pouco caro mas felizmente que nós fomos na época baixa e acabamos por pagar cerca 3700PHP por 3 noites, cerca de 55€. Mas comecemos do inicio. Para chegarmos lá, tivemos de sair do aeroporto de Macau pelas 21h chegando a Manila pela meia-noite, meia noite e meia. Ora o próximo vôo para Cebu era só pelas 04h pelo que tivemos que fazer uma pequena longa espera, no àtrio dos restaurantes (resumia-se a uma pequena àrea com muitas cadeiras e 3 lojas de comida...).
Após embarcarmos para Cebu, já de directa em cima, somos galardoados com uma vista magnifica e um amanhecer deveras único. Acho que a imagem fala por si...

O amanhecer visto do nosso avião

Após chegarmos a Cebu fomos apanhar um táxi do aeroporto para o cais 4, de onde saem os barcos para panglao. Mas até aqui foi fácil apanhar um táxi. Custou-nos 600PHP uma carrinha do aeroporto até ao cais, o que saiu barato a divir pelos 6. Diga-se que pelo caminho deu para testemunhar alguma da pobreza que se vive pelas Filipinas e compreender um pouco melhor aqueles que de lá vêem para Macau, para fugir a uma realidade bem dura. Quando chegamos ao cais, toca a ir comprar o bilhete. Sem querer exagerar mas devemos ter esperado uma boa meia hora para comprar o bilhete e pagar a taxa do bilhete. Sim, taxa! Isto porque nas Filipinas tudo tem taxa e como tal tivemos que ir a outra bilheteira pagar a taxa do bilhete... Amigos, vá lá, pensem lá em incluir tudo no bilhete, é mais fácil :D
Para embarcamos, tivemos que passar as malas pelo raio x, detector de metais, tal e qual como no aeroporto... Depois fomos pó barquito e lá nos pusemos à espera da partida.


Cinco dos seis aventureiros a instalar-se no barco

O barquito demorou cerca de duas horas e meia a ir de Cebu para Panglao, onde deu para conhecer alguns dos passageiros e tirar algumas fotos ;)

O Pedro e eu com 2 filipinas que também iam para Panglao mas em trabalho

Depois de chegarmos esperamos pelo transporte do resort, que estava combinado nos vir buscar. Lá fomos nós na carrinha, pequena, congestionada para tantos passageiros e passamos num multibanco. Para nosso espanto o multibanco estava protegido por guardas, ou melhor, o banco encontrava-se protegido por guardas com M-14 e carabinas... Nada, nada amigável diga-se! E foi nessa altura que resolvemos fazer das nossas e tirar mais uma foto da praxe! :D

Ah pois é, Linpópó em grande pose! ;P

Depois de chegarmos ao resort só posso dizer que foi muito muito bom! Fizemos um pouco de tudo, praia, piscina, andar de mota de água, snorkeling e comer mesmo à fartazana. Pratos bem cheios de peixe e marisco, com vegetais e uma boa cervejinha ou rum cola a acompanhar. Também aproveitamos um pouco da vida nocturna e espreitamos uns barezinhos, nada demais mas sempre deu para relaxar de um modo bem diferente ao que estamos habituados! =)

O restaurante onde fizemos muitas refeições (incluindo os deliciosos crepes de manga, ananás e misto) e a piscina do nosso resort.

O Rui, eu e o Pedro, no final de um belíssimo jantar de camarões, lulinhas, peixinho umas poucas quantas San Miguel e claro está os vegetais e o milhozinho grelhado como acompanhamento ;)
Na outra foto podem nos ver no barco que nos levou a fazer snorkeling! Simplesmente lindo!


Uma pequena amostra do que foi nosso recheado jantar e a bela da paisagem junto ao restaurante das panquecas de fruta! *_*


O aspecto do nosso lanchinho após o um estafante dia de praia! Aquela sandocha bem pequenina é a minha :D
O aspecto da nossa vista durante o lanche ;)

Mais umas imagens da nossa belissima ilha! :)

E prontos! Mais um post que chega ao fim e espero que estejam a gostar disto, tanto como eu, que me tem custado tanto ter de ir a estes sítios para vos trazer estas belas imagens! ;P

Até uma próxima!


segunda-feira, 15 de junho de 2009

Bangkok Stars

Ni hao! Hoje faço um post curto mas deveras interessante. Não sei como é que isto aconteceu mas o facto é que após a nossa viagem a Bangkok somos "estrelas de cartaz" e passo a explicar. Apesar de não ter aqui um post a contar a nossa viagem a Bangkok (fica para daqui mais uns dias juntamente com Panglao, Hong Kong e mais qualquer coisa que possa aparecer na minha lista Things-Should've-Done-A-Whole-While-Long ;p
Em Bangkok nós alugamos um táxi para um dia inteiro (7 pessoas = 35€ o dia completo) e passeamos desde manhãzinha até ao anoitecer pelo mercado flutuante, arredores da cidade que não faço ideia o nome mas que era bem longe, era (cerca 140Km de Bangkok) e por um templo bem grande e majestoso. Isto pode parecer pouco mas só em viagem de ida para o mercado flutuante foram quase 2h de carro de manhãzinha bem cedo...
Acontece que o nosso motorista, um rapaz porreiro de nome A'Tee, estava acompanhado pela sua namorada, que não me lembro o nome mas só me recordo de um pormenor fisico deveras peculiar: o seu belissimo e, aposto que, farfalhudo bigodinho que tão sensualmente me atraia naquela rapariga... Hmmmmmm..... -_-'
Ao longo do nosso dia foram-nos tiradas algumas fotos pelo casal, fotos essas que nos foram enviadas para o e-mail, mas nada fazia prever que usassem uma dessas fotos para fazer publicidade ao seu serviço de táxi (que tão barato nos saiu, 5€ p/ pessoa um dia inteiro??? )! Deveras brutal!! xD
E aqui termino este quick post com a dita cuja foto para o vosso regalo.

Até uma próxima!



domingo, 10 de maio de 2009

I'm back :)

Olá meus caros leitores, estou de volta!
Já se passou um bocadinho desde a última vez que escrevi (um bocadinho é favor, eu sei :$) mas estive muito ocupado em viagens por esta Ásia fora, a conhecer novos sítios, civilizações e muitas outras coisas mais.

Hoje o meu trilho leva-me... ;P

Guilin, Yangshuo e Guangzhou

É verdade, três sitios percorridos em apenas 3 dias. Saiu-se de Macau na quinta-feira pelas 16h, passando a fronteira para a nossa vizinha China, nomeadamente Zhuhai e fomos apanhar um autocarro com partida marcada para as 18h30. Mas não é um autocarro qualquer, este autocarro vem dotado de camas em vez de cadeiras vulgares. Bem, as camas também não são propriamente um assento digno de um rei, mas malta, quem vem para a aventura, para a verdadeira China, tem que experimentar um pouco de tudo. E assim leva-me a colocar a primeira foto deste post.

Interior do bus que nos levou a Guilin

Pois é, a foto não é das melhores mas foi tirada um pouco à pressa, com a emoção de estar dentro de um autocarro chinês, no qual apenas uma pessoa podia passar de cada vez pelo corredor ou arriscava-se a aprender a arte de sanduíche humana, segundo as mais velhas tradições chinesas. Um simples bilhete de ida para Guilin nestas condições custou a módica quantia de 250 yuan, algo como 25€. Acho perfeitamente aceitável dado que dormi, sim deu mesmo para dormir até com a barulheira do ar condicionado e do motor, foi confortável e tinha espaço para, quase, me esticar por completo e eu só tenho 1,8 m portanto não sou propriamente pequeno, mas também não sou muito graúdo ;P
Bem, saimos de Zhuhai com destino a Guangzhou para irmos recolher mais aventureiros para a nossa "peregrinação". Guangzhou fica a cerca de 109 Km de Zhuhai, se esperam uma viagem rápida, esqueçam. Durou algo como 2h30 talvez... Isto porque Zhuhai, para meu desconhecimento, afinal não é tão pequeno como isso. Aliás, até é bastante grande, agradável ao olho, limpa e organizada. Algo que contradiz com a imagem que se fica quando saimos das portas do cerco em direcção à cidade. Após termos chegado a Guangzhou, fazemos a primeira paragem ou pit-stop, altura de ir fazer o xixizinho, esticar a pernoca e comer ou beber algo para quem quisesse. Note-se que apesar de darem àgua no autocarro, de graça, não arriscamos... Nunca se sabe de onde veio... Mas esperem, o melhor ainda está para vir. Quando pensamos que já vimos de tudo aparece algo sempre inovador. WC na China, mau ou muito mau? Resposta: Mesmo muuuuuuuuito mau!! A 6 metros de distância já se sentia o fedor, sim leram bem, fedor a xixi e era uma autêntica inundice ao redor da paragem. A casa de banho é totalmente ao estilo chinês e será daqui para a frente, neste post. Imaginem um buraco com forma de sanita no chão. Ai está, esse é o modelo de sanita chinês. Agora perguntam: "Mas linpópó, como é que eles fazem o serviço?". Meus caros, eles sentam-se de uma maneira que não quero exemplificar nem tirei fotos para vos demonstrar, a meu pesar, mas acreditem que não me parece a posição para arriar o calhau mais confortável mas talvez os chineses tenham desenvolvido uma técnica milenar ou ancestral para realizar, na mais sossegada da paz, o seu servicinho de alivio. Enfim, moving on ;P
Quando sai do autocarro com um dos nossos amigos, o Martinho, em busca de algo para comer foi ai que reparei na imundice que os chineses fazem. Na zona de "refeição", se assim podemos chamar aquilo, era restos de comida num espaço de 100 metros... Restos de frango, peixe, legumes, água suja, restos de arroz... Nada agradável! Mais uma vez não há foto, não estava a contar com este cenário rico em beleza visual e olfáctica ;P
E a nossa viagem prosseguiu noite fora, com uma condução fantástica por parte dos nossos 2 condutores, conduziam por turnos, em que tínhamos curvas apertadas a serem feitas como se um piloto de F1 se tratasse, lindooo :D
Pelas 06h30 já se notava o amanhecer e não resisti tirar uma foto, muito bom o cenário. Foi um warm welcoming do que estava para vir :)

O amanhecer no autocarro

Chegamos a Guilin pelas 08h30 e pusemo-nos logo a mexer, a procurar um sitio que fizesse uns tours para nos irmos entreter. Logo se aproximaram muitos chineses com propostas de viagens pelo rio Li até que o discurso de um chinoca, de nome Mike, nos começou a parecer bastante convicente e decidimos deslocar-nos á sua "loja" para discutir-mos preços. Conseguimos um preço razoávelmente aceitável para ir fazer uma pequena parte do rio Li, cerca de uma hora, de barco já com transporte incluido. Se bem me lembro foi algo como 120 yuan. Mas enquanto esperámos pelo nosso "bus" como lhe chamaram vimos umas cenas bem caricatas. Primeiro, assistimos a uns turistas inglesas que reclamavam que o Mike lhes tinha dado notas falsas e era um charlatão (Notas falsas na China parece ser o pão nosso de cada dia, verificam todinhas!!). Obviamente ficamos um pouco apreensivos e de pé atrás mas que fazer? Já estava combinado e decidimos arriscar. Depois, eramos ponto de paragem obrigatório de todos os chineses que passavam por nós, tiravam fotos, cumprimentavam, babavam-se porque nunca tinham visto tamanha quantidade de gwei lo à frente deles, enfim chinocas ;P
Houve também o mitra chinês e mais personagens caricatas que nos apareceram à frente enquanto esperávamos pelo transporte.

O mitra chinês, que nos fez esboçar uma enorme gargalhada

Mais um exemplo da realidade da sociedade chinesa

Após o nosso bus chegar, lá nos pusemos a caminho do rio Li. Conduzidos por um velhote que tirou a carta de condução nos chocapic nós não fizemos puff umas quantas vezes porque não calhou. Aqui a mudança só anda para cima e a mão ou está no volante ou na buzina. É indiscritivel!! Chegamos vivos, após uma outra paragem, provavelmente para dar indicações aos seus capangas que os branquinhos com orgãos de jeito estavam a chegar e para prepararem o gelo o mais rápido possível, e foi logo um cenário incrivel. Muita muita gente tudo com o mesmo destino e tudo a nos cumprimentar como se fossemos ponto de paragem obrigatório. Os barcos que nós fomos foi algo deste género.

Exemplo do nosso barco

Lá nos aventuramos e fomos descendo pelo rio, sempre a desfrutar da paisagem, linda e impressionante, que sim, relembra o Dragon Ball ou aqueles filmes de Kung Fu chineses... Até a nota de 20 yuan tem a paisagem e o rio como background.

Descendo o rio Li

A meio da nossa viagem paramos para almoçar. Num sitiozinho acolhedor onde nem sequer tinham espaço para nós, éramos 6. Então, e aqui uma prova de bom valor da hospitalidade chinesa, cederam a sua casa nós almoçarmos sem problemas. Sim, leram bem. Almoçamos dentro da casa das pessoas e diga-se, que foi muito bom :) O almoço em si nem por isso, um arroz cozido na maquina de arroz muito sem sabor, uns legumes assim assim e um peixe mal cozido pelo que tivemos de esperar por um bem passado. De resto foi um descanso bastante agradável.

O restaurante é em cima e aqueles encontravam-se a lavar o peixito para servirem :P

O aspecto do nosso recanto de almoço

Após o almoço era suposto continuarmos a descida de barco, mas o nosso amigo barqueiro pisgou-se.... Então o nosso amigo do peito, Mike, ligou-nos e tratou logo de nos arranjar transporte para uma terriola ali perto que teria autocarros para Yangshou. Desnecessário será dizer que foi mais do mesmo, condução digna de um rally Dakar, sem dúvida. Após chegarmos a Yangshou, deparamo-nos com um festival de gente. Muita gente. Muitos estrangeiros. Portugueses, claro só alguns ;) mas muitos espanhóis, franceses, ingleses, alemães parecia que estávamos na europa.

Rua do nosso hostel visto para a esquerda

Rua do nosso hostel visto para a direita

Fomos pôr as coisas no hostel, não gostamos muito do chefe do hostel, porque tinha um ar muitoooo manhoso mas lá nos entendemos com ele. Ah, lembram-se da sanita à chinoca? Pois, o nosso quarto era assim e a sanita e o chuveiro estavam no mesmo sitio...
Nessa noite fomos ver um espectaculo de musica que se passava num lago, tudo dentro de agua. Pagamos 200 yuan por 45 minutos mais coisa menos coisa, mas foi algo bastante agradável de ver. Muito bem feito e coordenado. Para tirar fotos foi mais complicado mas fica aqui uma amostra visivel.

Espectaculo musical nocturno em Yangshuo

Depois fomos conhecer um bocado da noite, comer qualquer coisa (no meu caso uma lasanha vegetariana espectacular por 25 yuan...) fomos ter com o nosso amigo Pedro, conviver um pouco no bar do terraço do hostel em que ele se encontrava com uma vista espectacular sobre a cidade, beber um copo numa disco ali pertinho e mimir. Nem sabiamos o que o dia seguinte nos esperava ;)
Na manhã seguinte resolvemos arriscar em mais um progama proposto pelo nosso chefe do hostel e la nos metemos à estrada nas bicicletas alugadas a percorrer cerca de 5 Km até ao bamboo rafting, uma descida noutra parte do rio Li mas noutro tipo de barquito.

Parte do nosso percurso para o bamboo rafting

Lá estou eu numa pose do estilo para a foto ;P

Após chegarmos ao sitio, o nosso chefe do hostel que nos acompanhou o tempo todo, falou com os seus conhecidos e preparou-nos a viagem, pela qual tivemos de esperar uma hora no minimo... Manhosices de chinoca... Mas nada de mau, pois valeu a pena a espera, a viagem foi bem divertida e relaxante, em parte ;P

O ponto de partida

Parte da nossa descida, enquanto estávamos secos

Secos, mas por pouco tempo, porque assim que houve a primeira queda de água molhei as sapatilhas e depois houve um bombardeamento dos nossos camaradas... Sim, lembraram-se a molhar-nos com umas bisnagas que as velhotas vendiam por 3 yuan... Obviamente que demos luta e roubamos uma bisnaga e molhamos o resto da malta!!! Muahahahaha xD
Pelo caminho encontramos uma vendedora, sim vendedora, no seu barquito que rapidamente acuidu ao nosso pedido de sede de pidjiyu e salvou-nos as gargantas de uma secura que teimava em não acalmar ;)
Vai uma jola, ó jovens? Tá fresquinha ;)

Lá prosseguimos viagem, a relaxar, apreciando a paisagem, a pidjiyu e obviamente uns quantos campei (brinde). Sim, porque não deixamos o nosso barqueiro a secar, oferecemos uma pidjiyu ao rapaz que esboçou um enorme sorriso e campei 'ca gente ;)
O resto da viagem foi muito mais relaxado, após nos pormos a secar, pois estavamos completamente encharcados. Mas o engraçado é que havia pequenos pontos, ao longo do rio, onde estavam bancas com computadores e malta que nos tirava ou tinha tirado fotos e nós só tinhamos de parar para as comprar. Computadores no meio do rio... Os chinocas tão com um business approach muito à frente, malta!!

Exemplo de uma banca no meio do rio

Depois de acabarmos o nosso passeio, andamos mais um pouquito de bicicleta e fomos parar a um restaurante calminho e com boa comida mas muito demorado. Comemos qualquer coisa e fomos direito às cavernas de lama para irmos direitos a um tratamento esfoleante. Não tenho fotos digitalizadas pois as que nos tiraram lá estão imprimidas e não passei para o computador, mas valeu a pena. O banho de lama foi muito fixe e depois fomos para umas pequenas grandes poças de água quente onde relaxamos o suficiente para finalizar a nossa visita às grutas. No final do dia fomos de bicicleta, à chuva, no escuro sem saber se a direcção era certa ou não para Yangshuo, uma autêntica aventura. Foi algo inesquecível, pois quando a chuva miudinha parou deu para ver o céu e estava espectacular. Foi um passeio inesquecível. :)

E prontos, mais uma viagem, mais uma experiência inesquecível. Não digo nada do nosso retorno pois também não foi nada de especial, vimos um monumento interessante, deu para irmos a descansar mas nada de relevo. Recomendo a quem quiser algum dia vir visitar a China que passe por Guilin/Yangshuo.

Até à próxima :)