quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Memórias de um Atlante - Capítulo II

CAPÍTULO II


Um reencontro há muito esperado


“Senhoras e senhores encontramo-nos a iniciar manobras de aproximação ao aeroporto internacional JFK, por favor apertem os vossos cintos de segurança!” – informa o capitão pelo altifalante. Mikos e Ava despertam do sono que os embalou durante a viagem. Ambos acordam sorridentes, o sono serviu para recuperarem as energias perdidas e ganhar fôlego para a confusão da chegada ao destino. “Dormiste bem, Mikos?” – pergunta Ava. “Sim, consegui dormir. Ultimamente tenho tido uns sonhos tribulados e não tenho tido um descanso regular.” – responde Mikos.
- Há algo que te perturba? Alguma coisa na tua vida que tens por resolver. Normalmente só me acontece isso quando ando nervosa com alguma coisa – comenta Ava.
- Sim, há algo que por resolver. Não é de agora, já é algo distante no meu passado mas é um assunto complicado…
Mikos responde a Ava com um ar de tristeza que é rapidamente compensado com o apoio de Ava, “O que quer que seja tem solução. Vais ver que sim!” – diz-lhe Ava confiante, mostrando aquele sorriso que tanto o cativou e que faz com que Mikos esboce um sorriso animador. Mikos acena a cabeça em sinal de concordância.
O avião aterra, tudo corre bem. Mikos acompanha Ava até à recolha de bagagem. Mantêm conversa, ficam na expectativa de pedir o contacto de ambos. A conversa no avião foi boa, não há como negá-lo. A atracção existe apenas permanece a falta de coragem, quer de um quer de outro, para dar o próximo passo. Ava recolhe a sua bagagem e ambos dirigem-se para a saída do aeroporto, vão apanhar um táxi para casa. À medida que se aproximam da saída a tensão no ar aumenta, Mikos começa a transpirar e a corar, sente-se inseguro para lhe pedir o contacto. Ava repara na insegurança de Mikos e decide tomar a iniciativa:
- Mikos! Tenho de apanhar um táxi para New Hyde Park mas gostaria de voltar a falar contigo. Este cartão tem o meu correio electrónico e o meu contacto telefónico pessoal. Vou ficar à espera de um contacto teu.
À medida que Ava estende o braço para entregar o cartão a Mikos exibe um sorriso, meio confiante meio nervoso, na expectativa de que Mikos perceba a intenção dela e a contacte de volta. Mikos, espantado pela atitude de Ava, recebe o cartão com um sorriso de um rapazinho, parece que está a receber uma prenda pelos anos. A tensão subitamente desaparece e dá lugar a um êxtase partilhado por ambos. É notório a alegria que sentem por terem ultrapassado essa barreira invisível.
- Obrigado Ava! – diz Mikos – Irei contactar-te assim que puder. Também gostaria muito de voltar a falar contigo.
Ava entrega o cartão a Mikos e graciosamente aproxima-se dele e entrega-lhe um beijo tenro, com aqueles seus lábios grossos, em jeito de despedida memorável e diz-lhe sorridentemente “Fico à espera.”.
De seguida chama um táxi e segue caminho para casa de seus pais deixando Mikos num turbilhão de sentimentos, confuso com tudo o que se passou mas ao mesmo tempo tão contente por ter encontrado alguém capaz de realmente mexer com ele. “Já se passou tanto tempo desde que encontrei alguém assim” – pensa Mikos. Mikos sempre teve relacionamentos com várias mulheres mas apenas uma soube mexer com ele, deixar a sua marca e tornar-se para sempre especial no seu coração e mente. Apesar de ter conhecido outras mulheres ao longo da sua vida, Mikos nunca fora capaz realmente de voltar a amar. Umas vezes tratava-se apenas de sexo, de satisfazer a sua libido, outras vezes eram pequenas paixões que em nada resultavam ou que a médio ou a longo prazo se revelavam infrutíferas e incapazes de substituir os mesmos sentimentos que outrora partilhou. Por isso, após tanto procurar e quando menos esperava eis que encontrou alguém. Alguém que desperta nele sentimentos que ele pensara estarem enterrados de vez.
Mikos chama um táxi e dirige-se para sua casa perto da Avenida das Américas. Mikos é um homem de posses, mas não alguém que goste de dar nas vistas. Tem um vestuário simples, não precisa de muito apenas o essencial. Aprendeu desde cedo a viver apenas com o essencial e manter apenas aquilo que acha necessário. Mantém uma colecção ávida de música, livros e alguns artigos de coleccionador que não vende aos seus clientes. Serve para também lhe relembrar da história da humanidade. A sua casa é simples, num bairro bom, mantém uma relação com os seus vizinhos e ajuda sempre quem mais necessita. Costuma fazer doações de dinheiro ou ajudar os mais desfavorecidos. Tudo isto sem ter que se apresentar em pessoa, tudo para poder manter a sua discrição.
Ao chegar a casa, depara-se com alguma correspondência na sua caixa de correio, contas para pagar, publicidade e pouco mais. No seu atendedor de chamadas regista-se um telefonema de um correspondente de uma cliente sua, a que tem em mãos um artigo que crê ser do interesse de Mikos. Apesar de nunca se terem visto cara a cara, Mikos mantém uma boa relação com os seus clientes. A discrição que providencia e a maneira como trata de todos os negócios, proporciona todas as necessidades de quem o procura. Esta cliente em particular é das suas mais antigas. Nunca se conheceram em pessoa e no entanto nunca deixou de procurar o serviço de Mikos para todos os seus pedidos. Mikos crê que esta cliente terá em mãos um artefacto valiosíssimo e admira-se de ter sido contactado para o comprar ou avaliar o seu valor, isto porque os seus clientes são pessoas altamente instruídas e têm conhecimentos próprios que lhes permitem avaliar com segurança da autenticidade dos mesmos. O correspondente da sua cliente informa Mikos que a peça está a ser avaliada por terceiros, está a pedir uma opinião a uma doutorada em linguística antiga e que precisará de mais dois dias até poder mostrar a Mikos a peça. Isto deixa Mikos ainda mais intrigado. Porque foi pedir uma segunda opinião? Porque razão terá adiado o encontro entre os dois? No final da mensagem o corresponde indica a Mikos que será contactado no dia, para o seu telemóvel, para se encontrar com a Madame, como é referida entre os seus pares. Ela insiste que jante com ele para que se conheçam finalmente e possam avaliar em conjunto a peça que tem entre mãos. Final da mensagem. Mikos fica ainda mais perplexo, contemplando o atendedor de chamados com um olhar fixo questiona-se do porquê de tanto formalismo quando os seus clientes sabem que ele efectua os seus negócios através de correspondentes e nunca directamente. Não interage com os clientes para salvaguardar o seu interesse.
Resolve deixar esses pensamentos para daqui a dois dias, quando se irão encontrar. Agora o que ocupa os seus pensamentos com intensidade é Ava. Aquela morena de lábios grossos, simpática, divertida e sensual que cativou o seu interesse de forma inesperada. Mas hoje não irá contactá-la, irá fazê-lo amanhã, pensa em convidá-la para um jantar, numa pizzaria sua conhecida onde o ambiente é ideal para quem gosta de passar o tempo em boa companhia e onde costuma ir jantar com os seus amigos. Nisto lembra-se que ficou combinado com Jonathan, seu amigo de há muito, telefonar-lhe quando voltasse de Banguecoque. Queria saber o que Mikos fez por lá, já que costuma ir quando pode e nunca lhe diz o que faz. Desta vez Jonathan queria que Mikos contasse o porquê de tanto ir para lá. Mikos decide ligar-lhe.

- Jonathan, meu amigo, estás ocupado? – pergunta Mikos.
- Mikos!! – exclama Jonathan com uma veemente saudade – Já de volta?
- Recebi um correio electrónico acerca de trabalho, um artefacto que uma cliente minha tem em mãos e que pensa ser do meu interesse.
- Bem, o trabalho não te larga mesmo. Persegue-te por todos os lados.
Mikos sorri, sabe bem que o que Jonathan diz é verdade e decide mudar o assunto de conversa.
- Estás a trabalhar?
- Sim, saio daqui a meia hora. Hoje tem sido um dia terrível. – desabafa Jonathan.
- Encontramo-nos às cinco e meia no sítio do costume?
- Claro, meu amigo. Quero que me contes tudo sobre a tua viagem a Banguecoque! – exclama Jonathan.
- Sim, tenho algo bom para te contar. – diz Mikos com um sorriso na cara.
- Então já me contas que o meu chefe não pára de olhar para mim, acho que já percebeu que estou de galhofa. Até logo.
Jonathan desliga e Mikos dirige-se para a casa de banho. Vai tomar um duche para se encontrar com o seu melhor amigo, pois encontra-se ansioso para lhe contar que conheceu uma rapariga especial. Jonathan, é um rapaz que cresceu em Washington e mudou-se para Nova Iorque aos 18 anos para estudar, formou-se com distinção em economia e actualmente trabalha para uma empresa que faz a gestão financeira de grandes empresas. Negócios de valores avultados são avaliados, controlados e referenciados aos seus clientes de maneira a receberem comissões elevadas e manterem-se firmes no mercado. Jonathan é dos melhores funcionários da empresa mas tem um problema grave: confia demasiado nas pessoas. Por vezes tem-lhe saído caro mas tem tido sempre o apoio do seu amigo Mikos, que conheceu quando estava a estagiar na empresa onde trabalha. Mikos arranjou um artefacto para o pai de Jonathan e foi nessa altura que se conheceram. Jonathan agiu em representação do pai, um agente imobiliário de algumas posses de Washington, que tentou convencer Mikos a investir em alguns negócios que poderiam ser do seu interesse. Desde aí uma nova amizade floresceu e Mikos e Jonathan tornaram-se grandes amigos e confidentes.
Encontram-se no bar, Jonathan vem sorrindo ao encontro de Mikos questionando-se o que terá Mikos para contar. Mikos inicia a conversa e põe Jonathan ao corrente de tudo, da viagem, do artefacto e da jornalista freelancer que conheceu no avião.
- Mikos, isso é fantástico! Estou muito feliz por ti! – exclama Jonathan bem alto.
- Calma, calma acabamos de nos conhecer, não se passa nada em concreto. – defende-se Mikos coradamente.
- Mikos, tu és um amigo espectacular mas às vezes surpreendes-me… A rapariga despediu-se de ti com um beijo na cara, tens ideia do que isso significa? – pergunta Jonathan com grande exaltação.
- Pois.. Penso que… Não sei – Mikos encontra-se muito envergonhado, já deveria saber que Jonathan iria colocar a situação daquela maneira mas não consegue dar-lhe a volta.
- Mikos, tu já disseste mais alguma coisa à rapariga desde que se separaram?
- Não, pensei em convidá-la amanhã para jantar. Estou a pensar em convidá-la para irmos ao “Vecchia Pasta”. Que achas?
- Muito bem escolhido, meu amigo! Não me ocorre melhor sítio para um jantar a dois. – diz Jonathan piscando o olho, com um sorriso estrondoso na cara.
- Também achei. Acho que será o local ideal para estarmos os dois sozinhos, a conversar e a nos conhecermos melhor. O ambiente é único e a comida também, como nos restaurantes italianos.
- Sim, o ambiente é muito agradável. O Gepeto e o Luigi são dois cozinheiros fantásticos. Vai correr tudo bem, meu amigo!
Mikos e Jonathan continuam a sua conversa, como em tantas outras, com alegria e festividade. Jonathan está realmente muito contente por Mikos ter encontrado alguém tão especial. Vê-se no rosto de Jonathan um sorriso enorme pelo seu amigo. A conversa estende-se e estende-se até à hora de jantar, altura em que Jonathan decide ir para casa ter com a sua mulher. É um recém-casado, feliz, que adora a sua mulher. Também passou por momentos difíceis, como qualquer outro teve desgostos amorosos também devido à sua profissão, ao seu status social. Mas tudo isso são águas passadas pois o momento é de alegria e felicidade, o seu amigo e companheiro encontrou alguém especial.
Mikos vai para casa, também vai jantar. Pensa no que irá dizer no dia seguinte quando convidar Ava para jantar fora. Chega a casa, liga o seu portátil e coloca uma música para ir ouvindo enquanto prepara a comida.
- Hoje apetece-me algo chinês. Deixa ver o que tenho para aproveitar. – pensa Mikos.
Verifica a dispensa e recolhe todos os ingredientes para fazer um arroz frito com legumes. Mikos é vegetariano. Uma decisão que provém de há muito na sua família, não tem a ver com uma questão religiosa pois considera-se ateu. Acredita em espiritualidade mas não numa religião em particular. Decide então pôr mãos à obra. Prepara tudo a seu gosto, condimenta até ficar picante como gosta e vai ao frigorífico buscar uma cerveja. Hoje sente-se com apetite, sente-se feliz, quer beber uma cerveja ao jantar, sente essa necessidade. Acomoda-se no sofá, liga a televisão e começa a ouvir as notícias enquanto se delicia com aquele manjar dos deuses por si cozinhado.
O seu jantar, esplendorosamente preparado por si, é subitamente interrompido por um barulho vindo do computador, entrou uma mensagem na sua caixa de correio, quem será? O seu correio electrónico é pouco utilizado, apenas para assuntos profissionais e para os amigos mais chegados. Mikos decide verificar e para sua surpresa a mensagem não contém remetente nem assunto, o que suscita alguma curiosidade. Mikos abre a mensagem e lê o seu conteúdo: “Há muito tempo que não nos víamos… Estás preparado para uma surpresa?”.
Mikos olha fixamente para a mensagem e pergunta-se quem terá sido que a enviou. O que quererá isto dizer? “Há muito tempo que não nos víamos…”, quem será a pessoa por detrás disto? Mikos decide parar de jantar e utiliza a sua perícia informática para tentar descobrir quem é o remetente mas não resulta em nada. Quem quer que tenha sido conseguiu cobrir bem os seus passos. Mikos decide ignorar o que se passou e desliga o computador. Prefere terminar o seu jantar com calma e tranquilidade e pensará nisso amanhã.
O dia amanhece como muitos outros, Mikos teve uma noite revigorante e encontra-se confiante para convidar Ava para jantar fora. Toma o seu pequeno-almoço e prepara-se para ir sair. Vai fazer jogging, há que manter-se fisicamente apto, o seu trabalho também envolve muito sedentarismo e tem que se manter em forma física. Depois do exercício físico, volta para casa, está perto da hora de almoço e se quer convidar Ava para jantar tem que ser agora pois ainda tem que reservar mesa no “Vecchia Pasta”. Pega no telemóvel e no cartão que Ava lhe deu, respira fundo, marca os dígitos e espera pelo sinal de chamada. Do outro lado atendem:
- Estou sim? – diz Ava.
- Olá, fala o Mikos. Estou a falar com a Ava? – pergunta Mikos de forma contida.
- Mikos? Olá! – sente-se um sorriso do outro lado da chamada. – Estava a ver que não me dizias nada! – brinca Ava com Mikos.
Mikos ri-se, afinal era bem mais simples do que parecia. O sentido de humor de Ava proporciona-lhe um sorriso imediato fazendo com que Mikos relaxe e tome mais confiança no pedido que tem a fazer.
- Estava a pensar em ti. Gostava de te levar a jantar fora para podermos nos conhecer melhor. Tens planos para esta noite?
- Não, não tenho nada planeado para esta noite. Gostaria muito de ir jantar contigo. – Mikos cora ao ouvir estas palavras. Sente um ardor nas suas bochechas.
- Que bom! Gostas de comida italiana? – pergunta Mikos.
- Sim, adoro! É das minhas favoritas. Onde é o restaurante? – pergunta ansiosamente Ava.
- Chama-se “Vecchia Pasta”, fica em Woodhaven, na Avenida 90. Podemos nos encontrar às 20 horas?
- Sim, lá estarei então. Foi bom ouvir a tua voz. – diz-lhe Ava de um jeito carinhoso.
- Também gostei muito de ouvir a tua voz. Tem um excelente dia. Vemo-nos mais logo. – despede-se Mikos, com uma ansiedade nas suas palavras.
- Até logo, Mikos. Para ti também. Beijos.
Mikos fica ansioso para que a hora do jantar chegue. Tem um nervoso miudinho na sua barriga, parece um jovem apaixonado. Liga para o “Vecchia Pasta” e marca mesa para dois para as 20 horas. Tudo está a correr bem.
Chega à hora do jantar e Mikos encontra-se no restaurante. Chegou 10 minutos antes com receio de Ava chegar cedo e não querida de modo nenhum fazê-la esperar. Está ansioso, não sabe o que dizer. Vestiu-se com um blazer preto, uma camisa branca, uns jeans e uns sapatos. Está bem apresentável sem chamar muito à atenção. Eis que Ava chega, abre a porta do restaurante, procura Mikos com o seu olhar penetrante até que se esbatem resultando num sorriso de parte a parte. Mikos levanta-se para receber a sua convidada, afinal de contas ela está muito bonita. Irradia sensualidade e confiança, vê-se que escolheu a dedo o que quis vestir e que foi minuciosa até ao último detalhe. A maquilhagem que usa realça a cor dos seus olhos castanhos deixando Mikos sem fôlego, o batom vermelho que escolheu transforma seus lábios carnudos, por si já bastante sensuais, em uma arma capaz de desarmar o mais frio dos amantes. Vestiu um top vermelho que lhe assenta na perfeição delineando o seu corpo sensual e por cima veste um fino casaco branco. Os seus jeans aliados aos seus saltos altos realçam o resto do seu corpo resultando numa linguagem corporal que fala por si. Mikos encontra-se sem palavras para o que vê.
- Boa noite Mikos. – Ava cumprimenta-o expectante pelo resto da noite.
- Boa noite Ava. Estás lindíssima. – comenta Mikos bastante corado.
- Muito obrigado, Mikos. Tu também estás muito bonito.
- Obrigado, Ava. Estás com apetite? – pergunta com um sorriso acanhado.
- Sim estou com bastante fome, tive um dia em cheio.
- Estou ansioso para saber como foi o teu dia.
Mikos e Ava iniciam mais uma conversa de forma eufórica. Parece que se assentam na perfeição, a conversa continua fluidamente, calmamente sempre com um sorriso nos seus rostos. Estão em sintonia e que melhor ambiente do que o “Vecchia Pasta” para acolher uma ocasião como esta?
O “Vecchia Pasta” é um restaurante italiano propriedade de dois irmãos, Gepeto e Luigi, imigrantes que decidiram tentar a sua sorte na América e foram para Nova Iorque. Estabeleceram este restaurante há 40 anos, começou por ser um pequeno negócio que rapidamente envolveu toda a família onde todos ajudavam. Passaram também por dificuldades pois o negócio nem sempre teve o sucesso dos dias de hoje. Mikos quando se mudou para Nova Iorque conheceu, por acaso, o restaurante e rapidamente se tornou um cliente habitual até que travou amizade com os dois proprietários. Formou uma parceria com eles há dez anos atrás e ajudou-os a remodelar o estabelecimento para as novas regras impostas pela Câmara Municipal. Há 2 anos, com o sucesso do negócio, Mikos vendeu a sua parte para Gepeto e Luigi, pelo mesmo preço que tinha adquirido. Agora sim, depois de muito esforço e dedicação a família de ambos tinha um negócio efervescente e estável. Agora tinham atingido o sonho americano.
Hoje é uma noite especial e Gepeto e Luigi providenciam um jantar especial para Mikos e a sua convidada. Para entrada “bruschettas”, fatias de pão seco, grelhadas, esfregadas em alho e cobertas com tomates, azeitonas, beringelas e regadas em azeite, acompanhadas por um vinho tinto especial, importado de Itália que há muito aguardava a ocasião certa de ser aberto.
De seguida uma salada italiana de massas, composta por pimentos vermelhos, pinhões torrados, massa de cotovelos, queijo mozzarela ralado, tudo isto regado com vinagreta e molho Pesto. Para concluir uma salada de frutas rosada, constituída por morangos, laranja, manga, mamão, maçã, banana, abacaxi, leite condensado e iogurte de morango, uma verdadeira tentação a colmatar uma refeição, por si, já exuberante.
Ava e Mikos sentem-se satisfeitos com o jantar que tiveram, tudo veio no momento certo e combinou na perfeição. O ambiente, a conversa, a comida e o serviço foram resultar num jantar perfeito que agradou e muito a ambas as partes. Mikos prepara-se para pagar na caixa e é recebido por Gepeto e Luigi que insistem em que não pague. O jantar de hoje é oferta dos seus velhos amigos, por tudo o que ele fez, por todo o apoio e compreensão que teve, Mikos é visto como um verdadeiro amigo o que deixa Ava impressionada pois ela não sabe da história por detrás da razão dos dois irmãos em tomarem tal postura. Mikos respeita a decisão de ambos e fica comovido. Afinal, ele sempre teve em mente que os humanos não são tão ruins como parecem, basta ajudá-los um pouco para receber ajuda de volta. Agradece pela excelente refeição, pelo excelente jantar que ambos tiveram com um abraço apertado a Luigi e Gepeto.
Ava decide convidar Mikos a um bar de jazz ali perto, é de um amigo de Ava que foi outrora músico de jazz e decidiu abriu o bar para dar oportunidade a outros músicos de se mostrarem. Mikos aceita com bastante alegria o convite de Ava, música é um dos seus encantos e é algo indispensável para ele. A noite corre bem, o bar é bastante agradável, a música boa e o ambiente entre ambos está cada vez mais intenso. Sente-se que a atracção é cada vez mais forte. Ambos os seus olhos se iluminam cada vez mais, relembrado um céu estrelado numa noite sem nuvens. Será que o vinho acelerou o embate de sentimentos que já havia depositado em ambos?
Faz-se tarde, Mikos decide apanhar o táxi juntamente com Ava. Irá acompanhá-la até casa. Ao chegarem perto da casa de Ava, Mikos não pára de pensar em aproveitar o momento, deixar a sua marca, libertar aquele desejo ardente de beijar os tenros e carnudos lábios de Ava que há muito vêem desejando de serem tomados num possante e agressivo beijo de paixão.
- Chegamos, é aqui que eu moro. Ainda vivo com os meus pais mas estou a pensar mudar-me para uma casa só minha assim que puder. – Ava tenta disfarçar o desejo que lhe vai na alma.
- Tenho a certeza que arranjarás algo de bom. Sabes que se precisares de ajuda em algo não hesites em me pedir.
Ava esboça um sorriso carente, acena com a cabeça dizendo que sim, seus olhos abrem-se e forma-se automaticamente a ligação que irá conduzir ao derradeiro momento da noite, aquilo que ambos tanto anseiam e têm resistido em atingir. Fecham os olhos e lentamente encaminham-se para um beijo ardente de desejo, paixão e luxúria. O taxista embaraçado com a cena decide sair do carro e apanhar ar fresco. O momento dura alguns segundos, o suficiente para parecer uma pequena eternidade. Está finalmente consumido o desejo por que ambos ansiavam. Os sorrisos que agora contemplam em suas caras são diferentes, nota-se que já não é um sorriso de timidez mas sim de confiança, de certeza de um amor correspondido. Finalmente revelaram-se os sentimentos.
Ava despede-se e segue para casa, feliz, contente pela esplendorosa noite que teve. Está apaixonada e isso revela-se na sua postura. Mikos segue-a com os olhos até entrar no prédio e depois pede ao taxista que o leve para casa. Vai calmo mas feliz, passado tanto tempo reencontrou o amor, algo que pensava impossível nesta sua turbulenta vida. Agora só pensa em quando irá reencontrá-la.
Chegou o dia do jantar. Mikos recebe uma chamada no telemóvel. É o correspondente da Madame. Irão buscá-lo a casa perto da hora de jantar. Será levado directamente para a mansão da Madame onde irá finalmente encontrar-se com a sua cliente de velha data. Há algo neste encontro que deixa Mikos pensativo e desconfiado. Porque insiste tanto a Madame em encontrar-se com ele? Que artefacto é este que Mikos tem de ver? E quem será a doutorada em linguística antiga que o está a avaliar?
A hora do jantar aproxima-se, Mikos está pronto, aguarda por um contacto no seu telemóvel. Sente algo vibrar. Lê no ecrã “Número Desconhecido”. Atende: “Desça, por favor. Entre na limusina estacionada em frente à porta do seu prédio.” – é-lhe instruído do outro lado da chamada. Mikos assoma-se à janela, verifica que de facto está uma limusina estacionada em frente à entrada do seu prédio. Olha em redor e não vê nada que levante suspeitas. Vai de encontro à limusina. Ao sair do prédio o motorista sai da limusina, um homem alto, robusto e altivo. Tem ar de europeu, talvez descendência alemã ou nórdica. Não fala, apenas abre subtilmente a porta da limusina e faz sinal para que Mikos entre. Mikos entra, sempre desconfiado de tanto formalismo.
- Senhor Mikos, esteja à vontade. A Madame deseja exprimir a sua maior satisfação por ter aceitado o convite. – diz-lhe um homem esbelto, pálido, com um ar muito seguro de si. Está escuro dentro da limusina. A porta fecha-se e uma luz de presença irradia lentamente. Mikos repara no homem à sua frente sentado.
- O meu nome é Ambrose. Fui eu que agi em nome da Madame e o contactei a seu pedido. Foi comigo que falou ao telemóvel.
- Eu nunca o vi antes, em todos os negócios que efectuei com a madame, pois não? – pergunta Mikos.
-Efectivamente não. Sou o assessor mais próximo da Madame e devo dizer que são poucas as pessoas que têm a oportunidade de falar comigo pessoalmente. Considere-se privilegiado – diz Ambrose com um ar arrogante.
- Compreendo. – comenta Mikos – No entanto, isto é algo fora do normal, fora das regras por mim definidas e como tal considere-se um privilegiado em ter aceite o convite da Madame.
Ambrose esboça um sorriso confiante e malicioso. Mikos sente no ar que está perante uma pessoa que se julga acima de outros. Deixa-o desconfortável mas respondeu de maneira adequada a Ambrose.
- Jürgen, siga para a mansão. A Madame está à nossa espera.
Ambrose dá indicações ao motorista para seguir, de forma arrogante, parece ser essa a sua personalidade. Contempla Mikos, analisa-o e é analisado por ele. Claramente o jantar não está a começar com o pé direito.
- Que artefacto tem a Madame para eu analisar? – questiona Mikos.
- Senhor Mikos… Por favor aguarde até que esteja com a Madame. Tudo será explicado a seu tempo. Não se preocupe. Está em completa segurança. Apenas quis testar a sua personalidade para confirmar as informações que recebi de si. Asseguro-lhe que não foi nada fácil saber algo sobre si e que tive que o confirmar antes de o poder levar à mansão.
Mikos continua em sobressalto. Não gostou de saber que fora investigado. Não quer que o seu passado seja remexido e sente que algo não está bem mas decide continuar, afinal já tinha dado a sua palavra em como jantaria com a Madame.
- Tudo será revelado a seu tempo. Quando chegarmos a Madame informá-lo-á de tudo o que precisa de saber. – diz-lhe Ambrose.
- Está bem, não tem problemas. Estou curioso para saber o que a Madame deseja falar comigo – responde Mikos.
Ambrose prepara uma bebida para Mikos, um Baileys on the rocks e de seguida ambos remetem-se em silêncio até chegarem ao destino. A viagem foi demorada mas encontram-se finalmente na mansão da Madame, rodeada de seguranças por todos os lados mas não deixando de ser esplendorosa e um símbolo de uma sociedade poderosa mas já esquecida. A Madame é descendente de uma família de nobreza, de Inglaterra, que imigrou para os Estados Unidos no inicio da revolução industrial e aplicou a sua fortuna tornando-se ainda mais rica. Hoje tem um espólio de fazer inveja e isso reflecte-se no seu casarão. A limusina pára, Jürgen abre a porta a Mikos.
- Chegámos, senhor Mikos. Faça favor de sair. Um mordomo irá levá-lo ao salão de jantar. Espero que esteja tudo ao seu agrado.
- Não me acompanhará lá dentro? – pergunta Mikos desconfiado.
- Não. A minha função já terminou, já lhe expliquei. O resto é consigo.
Mikos fica intrigado com esta resposta. Parece tudo saído de um filme de conspiração. Mikos sai do carro, um mordomo o espera. Pede-o para o seguir e leva-o até a uma sala de jantar decorada como nunca tinha visto. A sala tem duas portas maciças em lados opostos, quadros enormes revelam membros da família da Madame em caçadas, jogos ou simples poses em que ficaram eternizados, porcelana da China, alguns artigos que o próprio Mikos reconhece terem sido por si negociados encontram-se espalhados em montras de vidro, como que se de um museu se tratasse. Tapetes persas e outros mais pendurados na parede ou estendidos no chão. Mikos está no meio de um tesouro de valor incalculável e sente-se fascinado com tudo o que vê. O mordomo deixa-o e pede para aguardar, sentado, pela Madame. Mikos senta-se e continua estupefacto com tudo o que vê. “Para uma sala de jantar não está nada mal…” pensa ele.
- Espero que tenha sido bem tratado pelo Ambrose, Mikos – diz-lhe a Madame enquanto uma das portas da sala de jantar se abre lentamente e ruidosamente.
Mikos levanta-se, olha para trás de si e finalmente vê em pessoa a Madame.
- Sabe, às vezes ele é demasiado protector e confiante de si. Assim o é para melhor me servir, eu sei, mas temo que por vezes possa ser ofensivo. Espero que não o tenha sido consigo.
- Não se preocupe, Madame. Não é a primeira vez que fui confrontado com tal situação e não fiquei ofendido. O Ambrose tomou a delicadeza de me explicar o porquê de tal atitude. – responde Mikos.
- Fico muito aliviada por saber isso – comenta a Madame – Já houve situações em que as pessoas não tiveram a mesma compreensão que si. É um prazer conhecê-lo em pessoa, Mikos – esboça um sorriso desconcertante.
- É um prazer conhecê-la ao fim de tanto tempo, Madame. – responde Mikos com um sorriso falso desconfiando do sorriso da Madame.
- Convidei-o para jantar para que pudesse avaliar algo que a muito custo consegui arranjar. Algo que acho que será do seu interesse. Tomei a liberdade de pedir a avaliação a uma doutora de linguística antiga para que confirmasse as minhas suspeitas antes que você o pudesse avaliar. Queria ter a certeza do que tinha encontrado, não leve a peito por favor.
Mikos estranha a delicadeza da Madame. Afinal se já houve alguém que avaliou o artefacto porque necessita da opinião dele?
Eis que o mordomo entra pela porta já aberta transportando consigo o artefacto mas coberto com um pano. Coloca-o na mesa e suavemente remove o pano que o cobre. Agora Mikos poderá avaliar o tão falado artefacto que é a razão para que tivesse aceitado o jantar. Os olhos de Mikos abrem-se e reparam logo no objecto que tem à sua frente. É um vaso muito antigo, da Grécia antiga, milenar mesmo, bastante bem conservado. Contém uns desenhos um pouco gastos mas perceptíveis e textos em grego antigo. Mikos repara numa linha de palavras que não está escrita em grego antigo e suscita-lhe dúvidas.
- Esse texto é a razão da sua vinda. Quando o vi não quis acreditar no que tinha à minha frente. Foi por isso que pedi uma opinião a alguém especializado na matéria. É Sânscrito, não é? – pergunta a Madame com um ar muito confiante.
Mikos fica atribulado mas mantém uma postura segura. Como foi ela descobrir este vaso? Quem terá escrito isto? Algo aqui não está certo mas Mikos não pode demonstrar que está perturbado com esta descoberta.
- Minha senhora, com todo o devido respeito, acredita mesmo nisso? – pergunta Mikos – Sânscrito é uma linguagem mito, não há provas reais de que alguma vez tenha existido e trata-se de mote para riso. Só os mais tolos é que acreditam em tal coisa. – diz Mikos com ar confiante na expectativa de que a conversa não se adiante e termine ali.
- Meu caro Mikos, tenho razões para crer o contrário e já sabia que iria responder dessa maneira. Por isso mesmo pedi a opinião da doutora. – responde a Madame bem confiantemente.
- Entre Johanna. Esta é a altura ideal para se apresentar.
A segunda porta da sala de jantar abre-se e surge uma senhora de cabelos morenos, alta e bonita. Olhos azuis e pele branca. Ouve-se o barulho dos seus saltos altos a ecoarem pela sala de jantar. Mikos vira-se lentamente na direcção da porta e os seus olhos cruzam-se com Johanna. Surgem-lhe suores frios por todo o corpo, começa a tremer e não crê no que está a ver. Não pode ser verdade. Após tanto tempo…
- Olá Mikos! Há quanto tempo que não nos víamos… Parece que viste um fantasma. – diz Johanna com um sorriso na cara – Não estás feliz por me ver?
- T… T… TU??? – pergunta Mikos em tom alto e com ar perturbante.

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